quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Quarteirões

O que a cidade quer que vejamos? Onde leva nosso olhar? Como olhar um lugar em que passamos tantas e tantas vezes? O que olhamos de verdade? Ainda temos o direito ao olhar?
Essas e muitas outras perguntas podem muito bem estarem no livro Cidades Invisíveis de Italo Calvino, mas as faço após  ter realizado inúmeras caminhadas pelo bairro de Santa Cecília e percebo o esforço que é não cumprir o mesmo trajeto e não olhar para as mesmas coisas, isso quando olhamos para alguma coisa de fato.
Com essa sugestão fomos dar uma volta no quarteirão, como sempre, em plena manhã de uma quarta feira onde parece que o verão vai começar.
O início da caminhada ainda segue o ritmo da rua, é rápido( ninguém sai de casa pisando no chão devagar?). Aos pouco, quase chegando na primeira esquina, percebemos que a idéia é olhar e intuitivamente vamos diminuindo a velocidade, quase parando.
Mas olhar o quê? Como? se já estou sendo olhado...
De novo: o que a cidade quer que vejamos?
Insisitmos, vencemos a inibição e enfrentamos os olhares de estranhamento que nos lançam e aos poucos vamos nos apropriando do tempo e a mesma paisagem começa a revelar aspectos antes invisíveis, ali mesmo na rua em que passamos todos os dias.
Cada um de nós vai recolhendo impressões, ora se afastando do grupo, ora ficando totalmente inerte, esquecendo quase completamente os "perigos" que dizem existir ao experimentamos apenas caminhar e não " voar" de um destino para o outro, correndo afobados e mostrando uma objetividade que nos custa muito caro manter.
Lógico que os sons de desaprovação de quem passa por nós são bem audiveis (tsi; não tem mais o que fazer?; é hoje!;o que vcs estão fazendo?;fusss; etc..), mas o Levante sabe ouvir ....
Os papelões ainda estão jogados pelos cantos da rua, como casulos vazios, seus ocupantes já estão vagando pela cidade. Alguns cobertores também foram abandonados de tal maneira que o desenho dos corpos que acolheram ainda mantém sua forma.
Quase chegando no ponto de partida nossa respiração é outra e uma estranha sensação de que ganhamos tempo nos invade.
Cada um recolhe suas impressões. Vamos às composições.
De volta ao quarteirão devolvemos para a rua movimentos, risadas, cenas que se materializam nos mesmos lugares totem. Algumas pessoas agora param, outras passam correndo.... Alguns nem vêem.
O quarteirão segue sua manhã. A cidade engolida pelos carros, motos, poluição segue seu dia. Dentes cerrados, peles em pé.
mirtes

2 comentários:

  1. Uma sensação de que de alguma maneira ainda estamos lá, permanece.

    ResponderExcluir
  2. Não resisto à aproximação entre Levante, Cidade e Alma..."uma resposta estética aos detalhes poderia nos desacelerar radicalmente. Reparar em cada acontecimento limitaria nosso apetite pelos acontecimentos e essa redução de consumo afetaria a inflação, o superdesenvolvimento, as defesas maníacas e o expansionismo da civilização. Talvez os acontecimentos acelerem-se proporcionalmente ao fato de não serem apreciados..." (James Hillman em memória)
    Que bom podermos apreciar acontecimentos, na cidade e em nós mesmos.
    Um beijo e obrigada a todos.

    ResponderExcluir